quinta-feira, 8 de abril de 2010

Para eles, 2014 já começou

De olho na Copa do Mundo no Brasil, empresas como Coca-Cola, AmBev e McDonalds transformaram o campeonato que será realizado na África do Sul num laboratório de Marketing

Fonte: Revista Exame
Por Lucas Amorim

Nas últimas semanas, os alunos da escola Diep Sloot Combined, na periferia de Johannesburgo, maior cidade da África do Sul, vêm encarando uma dupla jornada de "trabalho". Quando não estão em aula, passam o dia percorrendo ruas de terra batida em diversos bairros para coletar latinhas e garrafas PET para reciclagem. A mesma rotina se repete em outras 199 escolas públicas do país, que a partir de junho vai sediar a Copa do Mundo de futebol, o maior evento esportivo do planeta em audiência - na última edição, em 2006, 2,8 bilhões de pessoas assistiram a pelo menos um jogo. A motivação da garotada, ao contrário do que geralmente acontece em regiões empobrecidas, não é econômica. É esportiva. Eles participam de uma promoção criada pela Coca-Cola que vai distribuir 20 000 ingressos para as partidas às escolas mais bem colocadas nesse inédito concurso nacional de reaproveitamento de embalagens. O andamento da promoção vem sendo acompanhado de perto não apenas pelos sul-africanos, mas também por um grupo de seis executivos da subsidiária brasileira da Coca-Cola, responsáveis por áreas que vão do Marketing às finanças. Na última quinzena de março, eles estiveram em Johannesburgo para visitar estádios, bares e restaurantes e conversar com os organizadores da promoção. Outra equipe já tem viagem marcada para o período da Copa. "A África do Sul está servindo como um grande laboratório para a Coca-Cola no Brasil", diz Luciana Feres, diretora de Marketing da unidade brasileira da empresa. "Estamos avaliando uma série de ideias que podem funcionar por aqui em 2014." Embora a Copa no Brasil só comece oficialmente daqui a quatro anos, a empresa já designou Michel Davidovich, atual diretorgeral da Matte Leão, para dirigir uma equipe que deve chegar a 200 pessoas dedicadas a trabalhar com o torneio.

Em eventos de tamanha importância como a Copa do Mundo, é natural - e até esperado - que as empresas patrocinadoras se preparem com certa antecedência para o espetáculo. Qualquer deslize diante do público pode rapidamente se converter num desastre - ou, no mínimo, em desperdício de dinheiro. A própria Coca-Cola já viveu uma situação parecida. Na Copa de 1994, a cervejaria Kaiser (na época uma empresa da Coca) era uma das patrocinadoras da TV Globo, que transmitia o campeonato. Mas foi sua maior concorrente, a Brahma, que mais apareceu ao lotar os estádios com suas torcidas uniformizadas e bancar jogadores que comemoravam seus gols levantando o indicador da mão direita (o sinal de "número 1", mote de sua campanha publicitária na época). É justamente para evitar tropeços que os patrocinadores estão correndo para aprender com a experiência sulafricana - trata-se da primeira vez na história que duas Copas consecutivas serão realizadas em países emergentes.

Nessa busca por ideias matadoras, algumas empresas têm apontado caminhos originais - algo cada vez mais raro no pasteurizado universo do Marketing esportivo. Para mexer com a paixão dos torcedores, a cervejaria ABIn-Bev decidiu testar na África do Sul a Copa do Mundo da Cerveja, um campeonato de futebol amador que reúne equipes formadas por consumidores de diversos países. Cada uma delas será representada por uma das 60 marcas que compõem o conglomerado: Brahma para a "seleção brasileira", Quilmes para a argentina, Budweiser para a americana, e assim por diante. As finais acontecerão em estádios sul-africanos, paralelamente ao torneio oficial (as eliminatórias no Brasil começam em maio). "Essa é uma das iniciativas que têm tudo para arrebentar por aqui", diz Marcel Marcondes, diretor de Marketing da Brahma. "Em geral, a Copa dobra as vendas de nossos produtos no mês dos jogos, mas queremos que 2014 comece a se refletir em nosso balanço em 11 de julho deste ano, dia da final sul-africana."

ALÉM DE EXPOR SUAS MARCAS dentro dos estádios, algumas empresas planejam aparecer em eventos paralelos à Copa. É o caso da Sony. Logo após o encerramento do torneio na Alemanha em 2006, a companhia japonesa desbancou a Philips como a próxima patrocinadora oficial dos Fan Fests, festivais de rua que reúnem milhares de torcedores. Em 2010, a Sony pretende transformar o evento em uma enorme vitrine para promover a tecnologia de transmissão em 3D, hoje a maior novidade do mercado de eletrônicos. Além de fornecer os telões, a empresa estuda transmitir os jogos pelo celular. "O Fan Fest é uma das principais atrações da Copa", diz Lucio Pereira, gerente de Marketing da Sony. "Queremos que o Brasil conte com um número recorde deles. É por isso que estamos começando a trabalhar agora." A julgar pela envergadura adquirida pelo evento, dá para ter uma ideia do porquê de tamanha expectativa. Estão previstos Fan Fests em nove cidades da África do Sul e outros sete espalhados pelo mundo. Juntos, eles devem reunir um público de aproximadamente 25 milhões de pessoas.

O mergulho nas oportunidades da África do Sul tem servido também para dar lições importantes aos executivos das empresas patrocinadoras. A principal delas diz respeito ao cronograma das ações de Marketing - se não for cumprido à risca, pode colocar a perder um orçamento milionário. A unidade sul-africana da bandeira de cartões Visa, por exemplo, fez um enorme esforço para instalar cabos de fibra óptica e terminais de atendimento em 17 000 pontos no país, algo considerado vital para um evento que costuma atrair mais de 500 000 turistas. Mas acabou deixando para a última hora a implantação de um sistema que permite ao torcedor utilizar o cartão de crédito diretamente nas catracas dos estádios, ponto central de sua estratégia de comunicação. "Para evitar que isso aconteça por aqui, já estamos conversando com os responsáveis pela construção dos estádios", diz Luis Cássio de Oliveira, diretor de Marketing da Visa no Brasil. Na operação brasileira da rede de fast food McDonalds, o senso de urgência também já foi instalado. Depois de enviar três executivos de Marketing à África do Sul em dezembro, a empresa percebeu que é preciso construir lojas perto dos estádios e dos hotéis com grande concentração de turistas - e, como isso leva tempo, o melhor é começar a busca por terrenos em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro imediatamente. Para o pessoal de empresas como McDonalds, Visa e Coca-Cola, a largada para a Copa de 2014 definitivamente já foi dada.

Laboratório de luxo
Algumas ideias que serão testadas durante a Copa do Mundo na África do Sul - e que poderão ser replicadas no Brasil em 2014

COCA-COLA
A unidade da empresa em Johannesburgo organizou um campeonato nacional de reciclagem de latinhas e garrafas com 200 escolas públicas de todo o país. As vencedoras serão premiadas com 20 000 ingressos para assistir aos 64 jogos do mundial de futebol. A ideia é envolver a população mais carente no campeonato

AMBEV
Paralelamente ao evento oficial, será organizada a Copa do Mundo da Cerveja. Trata-se de um campeonato de futebol amador, reunindo equipes dos principais países onde a empresa está presente. Os jogos acontecerão dentro de estádios sulafricanos no mesmo período da Copa

MCDONALDs
A maior rede de fast food do mundo vai aproveitar a Copa para ampliar sua presença nos países emergentes. Para isso, tem prospectado pontos próximos a estádios e hotéis para a abertura de novas lojas - inclusive no Brasil. Além disso, está em estudo a realização de um reality show para escolher as garotas que vão dançar nos intervalos dos jogos

CISCO
Na África do Sul, a Cisco vai fornecer tecnologia à prefeitura das cidadessede. A polícia sul-africana, por exemplo, vai usar dez minicaminhões equipados com telas de monitoramento ligadas em tempo real às delegacias. A empresa já está conversando com autoridades brasileiras para trazer as unidades móveis ao Brasil em 2014

* Matéria originalmente publicada na Revista Exame em 07.04.2010

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